O fato sobre o qual nos ateremos consta em “O Céu e o Inferno” sob o
nome de “Luís e a Pespontadeira de Botinas” recebendo o nome constante no
título.
Relata-se al que Luís, há sete
ou oito meses, namorava Vitorina, colega de trabalho. Pensavam em casar-se, a
ponto de Luís passar a fazer refeições em casa dela, como medida de economia.
Numa dessas ocasiões, por
motivo fútil, sobreveio acirrada discussão. Como ninguém cedeu, Luís saiu
jurando não mais voltar.
Passada a noite, no dia seguinte, o sapateiro volta para desculpar-se.
A moça, imaginando o que poderia acontecer, caso o fato se desse quando
estivesse casada, quando nada mais poderia fazer, recusou-se a atender. Não
queria reconciliação.
Passados alguns dias, Luís,
julgando que a jovem pudesse estar mais calma, receptiva, volta a procurá-la.
Bate à porta, insiste, fala, desespera-se. Nada demove a moça.
- “Então, adeus, ó malvada!
Adeus para sempre! Procure um marido que a queira como eu! Exclama o irritado
rapaz.
Ao mesmo tempo, Vitorina,
escuta como um gemido abafado e como um escorregar de algo ao longo da porta e
depois – silêncio.
Imaginou que Luís houvesse
sentado na soleira da porta esperando que ela saísse. Promete ela a si mesma
que não o faria enquanto o percebesse ali.
Decorrido algum tempo
surpreendeu-se com a voz dos vizinhos pedindo socorro. Abre sua porta e se
horroriza por ver ali, inanimado o corpo de Luís que tirara a vida cravando no
peito a faca de sapateiro.
Na Sociedade Espírita de Paris,
em agosto de 1858, este fato foi levado ao Espírito São Luís, no sentido de
estudar as consequências morais do fato, e em síntese, segue-se o que se colheu
de suas respostas:
1 – A moça, causa involuntária
da morte de Luís, tem responsabilidade porque na realidade não o amava. Buscava
ocasião para dele se separar e a culpa consiste em se manter alimentando
sentimento de que realmente não partilhava.
2 – A responsabilidade, no caso,
embora exista, é proporcional à falta. Ela não pensou ou não na ideia de
provocar-lhe a morte.
3 – Para Luís, a obstinação por
Vitorina terá uma desculpa, uma vez que foi “provocada por amor” e não por
querer se livrar da vida por covardia.
E a Revista Continua:
“Dizendo que este suicida é
criminoso aos olhos de Deus, significa que há crime, posto que menor. A falta
consiste na fraqueza que ele não soube vencer. É sem dúvida uma prova em que
sucumbiu.
Ora, os Espíritos nos ensinam
que o mérito está em lutar vitoriosamente contra as provas de todos os gêneros,
e que são a essência da vida imortal.”
Em outro dia, em outra evocação
ao mesmo Espírito, ele prossegue dizendo que Luís, a respeito da ação que
praticara, dizia-se ter errado e que Vitorina, não o merecia, pois era uma
ingrata.
“A princípio ela julgou
amar-me, mas, a cena que fiz, fê-la abrir os olhos. Então resolveu romper”.
Perguntado se a amava, ele
responde que apenas tinha-lhe paixão. Ao chegar à porta não pensava em
matar-se. Somente quando a sentiu firme, obstinada é que tomado de vertigem,
tirou a vida.
Perguntando-lhe novamente como
se sentia, afirma estar perturbado e que não conseguia sair da porta dela.
Reconhece-se fraco e que deveria deixá-la tranquila, mas, cego pela paixão,
suicidara-se.
“...Isso tudo só fui
compreender mais tarde”. Errei abreviando a vida, não devia tê-lo feito. Sou
infeliz, sofro e é sempre a lembrança que me faz sofrer. Não quero mais pensar.
Adeus!”
O “Céu e o Inferno”, comenta,
de forma até dura, dizendo que à moça cabe maior responsabilidade por haver
entretido Luís num amor que não sentia.
Quanto ao moço, é ele punido
pelo sofrimento que perdura, porém, sua pena é leve. Cedeu a um movimento
irrefletido, a exaltação, e não à fria premeditação daqueles que buscam fugir
às provações da existência.
Como se depreende ... detalhes
... detalhes, e sempre a total impossibilidade de julgar.
Leda Marques Bighetti – Abril/2023 |