“Criou Deus as almas masculinas e femininas? Fez essas inferiores
àquelas?
Eis a questão. Se assim for, a inferioridade da mulher está nos
desígnios divinos e nenhuma lei humana poderia aí interferir. Ao contrário,
criou-as iguais e semelhantes, e as desigualdades, fundadas na ignorância e
pela força bruta, desaparecerão com o progresso e o reinado da justiça”. (R E, janeiro 1866)
O título-tema que hoje possa parecer absurdo, constituiu-se como motivo
de grandes debates em assembleias, principalmente na Idade Média. Acirradamente
discutia-se se mulher possuía ou não um Espírito a animá-la.
Na realidade, onde estaria o início desses questionamentos?
1- Para tentar entender, a ideia se
encontra inserida na Mitologia, na qual a deusa Minerva, que, por exemplo,
representava o pensamento, a inteligência, teria vindo ao mundo não pela
gestação de sua mãe e sim pela cabeça de Zeus, o pai dos deuses, já destacando
aí a desvalorização da mulher. Posteriormente, admitiu-se que mulheres tinham
direito a um corpo e uma mente, porém, nunca os dois ao mesmo tempo.
No campo religioso,
independentemente da crença, era ela obrigada a reverenciar o marido chamando-o
de senhor, prestando-lhe reverências e honras.
É vista como o próprio mal, pois é a culpada da expulsão do homem do
paraíso. Dalila, também inimiga, entrega Sansão aos filisteus.
2 – No campo da Filosofia, Platão e Aristóteles viam a mulher como um
homem incompleto; as características dela estavam presentes no sêmen do pai,
cabendo à mulher fazer brotar esses frutos vindos do homem, ideia essa que se
expandiu da Idade Média em diante. Pitágoras em seus “Versos de Ouro” escreve:
“Existe o princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem e um princípio mau
que criou o caos, as trevas e a mulher”.
3 –São Tomás de Aquino, exacerbado na divulgação de que a mulher havia
sido tirada de uma costela do homem, conforme o Velho Testamento, caminha
dizendo que, apesar disso, ela deveria ter a mesma importância do homem, uma
vez que no céu deve predominar a igualdade de direitos, pensando, que, só ao se
abandonar o corpo físico desaparecem as diferenças, passando a ser tudo uma
coisa só. Santo Agostinho ensina que a “... a mulher é uma besta insegura e
instável”. São Cristóvão afirma: “Entre todos os animais selvagens, não há
nenhum mais daninho que a mulher”. Paulo estabelece que uma mulher não poderia
falar dentro da igreja.
4 – No Oriente Médio, a mulher no contexto judaico tinha valor como
mercadoria de troca ou para que arrumasse um casamento para cuidar da casa e
procriar. Jesus a eleva trazendo-a para o centro de suas reflexões; retoma o
valor do ser humano independente da sexualidade; demonstra que para Deus todos
têm a mesma importância. É ousado ao conversar em público com a samaritana à
beira do poço; não permitindo que apedrejassem a acusada de adultério, assim
como ao ir à casa de Marta e Maria, enfim, restaura em todas as oportunidades a
dignidade da mulher.
5 – Apesar do passar dos tempos, resquícios maiores ou menores são
encontrados nas diversas culturas. Na sociedade japonesa, a mulher, submissa,
tem pouca voz no campo social, herança do Confucionismo, Budismo, Feudalismo e
suas ideias de subserviência. No Oriente Médio, são tratadas como pessoas de
segunda classe sujeitas a todos os tipos de sujeição e abusos. No Líbano,
depois do casamento, passam a ser propriedade do marido que passa a ter direito
de vida ou morte sobre ela. Sua única função é servi-los. Em livros de
ordenações filosóficas dos países, na China o conselho dos sábios prescrevia
que não se confiasse nas mulheres. Na Rússia já foi comum aceitar que em cada
dez mulheres apenas uma tinha alma; e aí, como encontrá-la?
6 – Consta que na França, nesses tempos idos, a Universidade de
Montpellier chegou ao fato de se negar diplomar uma jovem que terminara o
bacharelato em Ciências, uma vez que não se poderia conferir grau a uma mulher,
situação que se resolverá depois de muitos entraves.
Num passar superficial, baseado em enciclopédias, levantou-se um
arremedo de estado de coisas muito mais intenso e profundo do que esse simples
relato, no qual a discriminação, o tratamento inferior era constante, habitual.
Daqueles tempos para cá, decorrentes de inúmeras lutas, algumas coisas mudaram,
porém, ainda hoje, o reconhecimento social pleno em direitos e deveres e
mulheres como seres pensantes capazes continua sendo desafio nas relações de
gênero.
Leda Marques Bighetti –
Fevereiro/2023 |