Certo amigo querido aqui do espaço, Em fraterna reunião, Contou-nos com sincera emoção Um fato comovente e sem igual, Que em versos carinhosos refaço Para ilustrar a beleza do Natal: Era uma noite serena e iluminada, Começou com o olhar marejado, Em que o Natal com festa dourada Em paz e luzes relembrado, Envolvia os corações!... Nos barracos, nos casebres, nas mansões, A dor fazia um breve estacato Como ofuscada por ardente luz, A fim de que as almas se abrissem no acato À mensagem divina de Jesus! Estava eu, artista sem renome, Vagando pelas ruas à procura De alguma inspiração suave e pura Que me fizesse esquecer o pranto e a fome... Embora relembrasse o Mestre de Belém, Doía-me o abandono, E sem poder me entregar ao sono Por intensamente viver o Natal, Saí pelas ruas a cata de alguém! Como então gostaria de encontrar A alegria das festas na vida de um lar! Triste e faminto, só comigo, Desejaria ter o afeto de um amigo... Refleti em tudo isso amargamente Passeando sem rumo pelas ruas, Quando me deparei com cena comovente: Chorando uma criança pequenina, De vestido amarrotado, pernas nuas, Esmolava moedas aos passantes. De olhos tristes, de mãos tremulantes, Parecia a pobre menina O próprio retrato da amargura.
Contemplando-lhe a carinha pura Enchi-me de sincera compaixão E perguntei-lhe com voz de comoção:
-Onde estão os teus pais, menininha? É perigoso estares tão sozinha A esta hora, esmolando na cidade!... A noite é sombria e a maldade Anda rondando à procura da inocência!
Ela fitou-me com espanto, Mal sofreando o amargurado pranto E respondeu-me sem detença:
-Não tenho pais, não senhor! Sou órfã e fugi do orfanato onde estava Pois lá, todos os dias, sofria e apanhava Sem nenhuma caricia de amor!... O senhor não quer me levar pra casa? Tenho medo da noite e estou tão sozinha!
Fixei longamente a doce menininha Pequeno anjo perdido, sem asas, E redargui com carinho:
Minha filha, eu também sou sozinho, Tenho fome e padeço a pobreza sem pão... No entanto ainda tenho um tesouro... Não posso conceder-te nem vestes nem ouro Mas repartirei contigo o coração! Sim, vem ao meu paupérrimo lar, E dividindo nosso pranto, Será mais fácil transpor As montanhas de trevas e dor! Unidos em afeto sacrossanto A vida será mais doce no passar...
E de fato, levei-a comigo E eu que não tinha família ou amigo Achei a perola daquela afeição...
Foi assim que entendi então Que só o bem que praticamos, afinal, Pode preencher a vida mais amarga. Para ser suportada, toda carga Deve ser esquecida, Para nos doarmos em amor e vida A quem sofre mais... Essa foi à lição que o Natal Desta vez descerrou aos olhos meus E saibam que de então, senti a paz De estar mais perto de Deus!...
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